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Este livro, Res Prima, foi publicado por ocasião da exposição Manuel Rosa — primeiro os pés depois a cabeça, com curadoria de António Gonçalves, realizada na Galeria Ala da Frente, em Vila Nova de Famalicão, de 28 de Setembro de 2019 a 17 de Janeiro de 2020.
A gruta é o corpo — todo interior — da mãe da espécie. A mãe de cada um já era só interior: uma estranha entranha; intimamente desconhecida. Mas o artista nasceu quando se tornou ele mesmo mãe fazendo-se filho do húmus (mostrando assim a verdade do humano, daquele que se inuma e se exuma: que cultua os mortos como origem da cultura). (A inumação antecede de alguns milhares de anos os primeiros sinais deixados em grutas.) Esse segundo nascimento sucede ao nascimento biológico; entre os dois há a revelação ou o choque da existência. É um tal choque que abre irreparavelmente o humano — que faz do nosso corpo uma ferida aberta pela qual cada um terá de sair.
Há o primeiro nascimento, pelo sexo da mãe, e há o segundo — pela «cona da existência» (como dirá a personagem Malone, de Beckett). Chamemos a isso — que coincide com a emergência da espécie — nascimento do poeta (de todo aquele que cria). A questão humana é portanto a seguinte: que fazer com o choque da existência? Nascer na morte. (Sem dúvida, houve e há uma segunda resposta à mesma questão: matar a morte. E as duas respostas traçam o duplo caminho dos humanos. Por vezes — muitas vezes, quase sempre — traçam a encruzilhada que nos situa, simplesmente, face ao mal…) Mas atentemos na resposta da arte: nascer na morte.
128 págs