Este livro está na lista de favoritos de 4 utilizadores.
Inédito durante 50 anos, uma preciosidade que será um marco para os leitores de MEC
Quem foi Miguel Esteves Cardoso, dos 20 aos 24 anos? Tudo quanto sentiu e pensou está aqui, pelo punho do próprio, ou batido numa Olivetti Lettera32, no pós-25 de Abril, a partir de Manchester, onde se licenciou em Estudos Políticos com nota máxima e, mais tarde, se doutorou em Filosofia Política, com igual distinção.
Durante quatro anos, MEC escreveu quase todos os dias ao amigo Carlos Vilela, desde Inglaterra. Mas este nunca lhe respondeu. Foram dezenas de cartas de Miguel para Carlos, que morava na Vila Berta, em Lisboa, e nenhuma de Carlos para Miguel, desterrado em Manchester. Mas MEC, então como hoje, nunca parou de escrever, porque sempre soube ser esse o seu destino. E muito daquilo por que viria a ser reconhecido estava já nas missivas que compõem este livro e que se mantiveram inéditas durante quase meio século.
Nestas páginas, que poderiam representar um primeiro volume da autobiografia de Miguel Esteves Cardoso, o autor confessa o inconfessável, como apenas entre amigos se faz, para lá de exercitar o pensamento, a retórica e a excentricidade que, percebe-se aqui, sempre o distinguiram. Em Cartas para a Vila Berta estão a obsessão com a foleirice, a crueldade juvenil em relação à miséria dos outros, o gosto por ser discriminatório, as opiniões políticas controversas, de Salazar a Mussolini, o início da colaboração com jornais, uma entrevista a Leonard Cohen, um passeio pela Escócia, o desprezo por quase todos os autores portugueses, o terror quanto a uma possível paternidade com uma senhora irlandesa, o gosto por gastar dinheiro, por álcool e anfetaminas, o casamento com a mãe das filhas e o nascer de uma irreprimível paixão por Portugal, entre muitos outros temas.
Esforçando-se por ir às aulas e lutando para, aos 21 anos, organizar a sua poesia completa, fruto da seleção dos melhores poemas de onze livros (à data de hoje, todos inéditos), Cartas para a Vila Berta pode ser lido também como um brilhante romance de formação sobre a obsessão de um jovem por outro. Marcado por grande liberdade formal, e escrito em jeito de diário, nele se acompanha o jovem Miguel Cardoso, as suas angústias e confissões, bem como uma enorme vontade de regresso e desforra.